Sargento
sempre sargento.
Chama todo mundo de safado
para que possa um dia representar. Responder com um sorriso estampado no rosto,
no dia que assim for chamado. Sabe muito bem que não vai poder revidar, quando
chegar o dia que o chamarem de safado. Pelo simples fato de assim denominar
muitos que não satisfazem as suas cobranças e exigências. Uma teoria da
psicologia diz que somos espelhos, e refletimos em outras pessoas aquilo que
somos. Optou pela vida militar mais cômoda e mais safada.
Em um dia distante ele chegou
do interior a uma cidade grande. Supostamente deve ter chegado tal como faz, e
diz em algumas piadas: a mala era um saco e o cadeado era um nó. Hoje continua
fazendo nós e carregando sacos e fardos atados, para lá e para cá. Sempre disse
que santo de casa não faz milagres, e ele não fez. Viveu por muitos anos na
cidade grande e continuou na cidade do interior. No popular saiu do interior e
o interior continua nele.
Na cidade grande em que
chegou sem pai e sem mãe, adotou a pátria como mãe e o governo como pai, e a
marinha foi a sua madrinha. Primeiro viveu
com a mesada do pai, hoje vive com a mesada da madrinha. Sua madrinha lhe dá
algum dinheiro e uma assistência médica básica. Assiste no noticiário todos os
dias o quão corrupto foi e tem sido o seu pai.
Tentou por varias vezes na vida
trabalhar. E continua tentando. Tentou criar coelhos no terreno do vizinho e
não deu certo; depois tentou criar galinhas no seu terreno próprio e também não
deu certo; tentou acompanhar e investir em uma tecnologia da cidade grande em
residências, de pisos em madeira cobertos com acrílicos e sintéticos, e também
não deu certo. Com um terreno rural adquirido
nem tentou, plantar ou criar. Hoje tenta em um terreno alheio, repetir as
criações que não deram certo antes. Repete os bichos que criou e tenta criar
outros bichos. Com tarefas semanais e quinzenais divide a produção com os donos
do imóvel rural.
Produções agrícolas e produtos
beneficiados, transformados em outros produtos, são entregues em um serviço
porta a porta. Sem a necessidade de o latifundiário sujar as mãos com
estrovengas e forrageiras, despolpadeiras, secadoras e seladoras. Sem necessidade
de gasto com combustível, para até o empreendimento rural chegar.
Adotou o genro como símbolo
do cidadão civil bem sucedido. Quem não é militar e não trabalha como seu genro,
é um vagabundo, um acomodado, ou um safado. Ele e seu genro são filhos do mesmo
pai, encontrou no genro um irmão, sem mãe. O símbolo de um dos trabalhadores no
texto bíblico atualizado, o coletor de impostos. De à Cesar o que é de Cesar. E
quem sabe assim como Cesar, o sargento de nossa história não consegue sucesso
em seus negócios, já que Cesar nasceu antes que a natureza o determinasse como
pronto.
Com a mesada que sua
madrinha atualmente lhe dá, acha e acredita que tem o necessário e suficiente
para diariamente tomar uma ou duas cervejas; de sentar em frente a uma
televisão e cochilar, para ver o mundo lá fora passar. Entende que durante a
vida já deu sua cota de trabalho, e acredita ser o bem sucedido, capaz de se
sustentar. Com madrinha é fácil achar.
O símbolo do homem bem
sucedido: trabalhou, chegou a casa, abriu uma cerveja e ligou a televisão. Olha
a TV e dá risadas até que lhe chamem para jantar, com direito a comida quente e
mesa posta. Quando o assunto é bom ou a piada é boa na TV, tem o direito que a
mesa posta aguarde, a ele ou a um comercial. Nada como tudo sempre igual. Nos acampamentos
do quartel aprendeu a comer enlatados e liofilizados, diante da TV consome os programas
enlatados, nacionais e importados, até que o corneteiro toque a hora do rancho.
Não atingiu um conhecimento
para entender que seu pai nunca trabalhou. Ele o seu pai, apenas ao longo dos
anos vem se apropriando do dinheiro dos que trabalham. Dos valores de quem
produz, com siglas plantadas e implantadas: IR, IPI, ICMS. ICM, ISS, IPTU. IPVA
e etc.
Com impostos e taxas seu pai
conseguiu dinheiro para lhe dar uma mesada enquanto estava aquartelado. O
sargento marchou, olhou para frente e só olhou para os lados quando assim foi
ordenado. Passou a vida marcando passo, aguardando um novo comando. Hoje como
não esta mais no quartel, continua em forma, marchando em direção às mesmas
missões, já tentadas e não realizadas.
No quartel entrou como recruta,
foi da equipe da faina, desenterrou e limpou ossinhos de cachorro e chegou a
sargento. Trabalhou em cantinas e lavanderias. De soldado foi a cabo e atingiu ao
posto de terceiro sargento, depois segundo sargento, e chegou a primeiro
sargento. Foi denominado como suboficial, mas continuou a ser sargento. Foi
para a reserva com divisas nos braços. Um suboficial não é quase um oficial,
continuou lotado no alojamento dos suboficiais e sargentos.
A única missão maior que tem
hoje é estar vivo, até que o governo supremo de ordens de fora de forma ou
debandar. Vendeu seu corpo, e sua alma caso o governo ou a pátria deles
necessitassem. Uma necessidade que pudesse garantir seus espaços de domínio e
apropriação, de novos soldados e novas conquistas.
O sargento diz que se necessário
for, e oportunidade tiver, pisa no pescoço de quem estiver morrendo. Assim como
a Terra e um carrossel, o mundo dá voltas. Um dia é diferente do outro, uma
noite é diferente da outra e não sabemos o que acontecera na próxima volta.
Uma vez sargento, é sempre
sargento.
29/01/15
Sargento
sempre sargento.
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