Referenciais
merençanos
Merença gostava de associar
datas, principalmente datas de aniversario. Era conhecer uma pessoa, puxar uma
conversa, para na logo na primeira oportunidade perguntar a data de
aniversário. E replicar logo em seguida: ─ Ahhhh... Dois dias depois de Fulano;
ou então: ─ Um mês e cinco dias depois de Ciclano; e ainda: ─ Sete dias antes
de Beltrano. Ela parecia que queria dizer, querer insinuar que a pessoa que
conhecia naquele momento, era menos importante do que as que ela já conhecia
anteriormente. E as datas de aniversários associadas, estavam sempre
referenciadas a pessoas que faziam parte de uma suposta família. Pessoas que
ela admitia como serem da sua família.
Dizem que as pessoas mais
velhas podem não lembrar o que aconteceu ontem, mas não esquecem o que
aconteceu há muitos anos atrás. Daí então por não confiar na memória, por não
arriscar um esquecimento, Merença tinha um hábito. Marcava os aniversários em
uma folhinha, um calendário. No inicio do ano ao ganhar uma folhinha nova,
vinha uma nova tarefa. Marcar os antigos aniversários, que já constavam de
folhinhas anteriores, e anotar as novas datas natalícias. Aniversários de novas
pessoas que tinha conhecido. Todos aqueles que tinham seus aniversários
marcados na folhinha podiam se considerar os escolhidos.
Suas marcações na folhinha
associadas a sua memória tinham um objetivo. Ao telefonar para pessoas de um
parentesco próximo, mas de localizações geográficas distantes, tinha algumas perguntas
de praxe: ─ Adivinha quem faz aniversario hoje?...; ─ Quero ver se você sabe quem faz aniversario
hoje ... ; ─ Quero ver se você tem boa memória...
Os que não moravam tão longe
podiam receber um telefonema de manhã investigando e testando a sua memória.
Era um gesto necessário para mostrar e provar que tinha uma boa memória,
associada aos gestos de consideração com os aniversários das pessoas lembradas.
Outras vezes, uma ligação tinha um objetivo mórbido e informativo: ─ Adivinha
quem morreu!
Lembrava-se dos
aniversários, mas tinha atos comedidos ao pensar em um presente. Ao comprar um
presente pensava antes se o mesmo presente poderia ter uma utilidade para ela.
Quando era convidada para uma festa só dava o presente se a festa fosse do seu
agrado. Enchia o bucho, mas se não ficasse satisfeita não entregava o presente.
Fazia uma avaliação entre o valor gasto e as comidas consumidas.
Merença sempre achou que
nunca iria morrer. Tinha um medo inexplicável. Fugia da morte como o diabo foge
da cruz. Parecia haver um medo oculto, o medo de voltar para o lugar de onde
veio. “Do pó vieste e ao pó retornará”, a frase devia ecoar em seus ouvidos.
E as associações que Merença
fazia não estavam limitadas a outros aniversários de membros da família. Podiam
ser associados com mortes e missas de sétimo dia.
─ Quando você faz aniversário?
─ Ah... No dia que o meu irmão morreu.
RN,
em 20/02/15
Nenhum comentário:
Postar um comentário