sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Referenciais merençanos



Referenciais merençanos



Merença gostava de associar datas, principalmente datas de aniversario. Era conhecer uma pessoa, puxar uma conversa, para na logo na primeira oportunidade perguntar a data de aniversário. E replicar logo em seguida: ─ Ahhhh... Dois dias depois de Fulano; ou então: ─ Um mês e cinco dias depois de Ciclano; e ainda: ─ Sete dias antes de Beltrano. Ela parecia que queria dizer, querer insinuar que a pessoa que conhecia naquele momento, era menos importante do que as que ela já conhecia anteriormente. E as datas de aniversários associadas, estavam sempre referenciadas a pessoas que faziam parte de uma suposta família. Pessoas que ela admitia como serem da sua família.

Dizem que as pessoas mais velhas podem não lembrar o que aconteceu ontem, mas não esquecem o que aconteceu há muitos anos atrás. Daí então por não confiar na memória, por não arriscar um esquecimento, Merença tinha um hábito. Marcava os aniversários em uma folhinha, um calendário. No inicio do ano ao ganhar uma folhinha nova, vinha uma nova tarefa. Marcar os antigos aniversários, que já constavam de folhinhas anteriores, e anotar as novas datas natalícias. Aniversários de novas pessoas que tinha conhecido. Todos aqueles que tinham seus aniversários marcados na folhinha podiam se considerar os escolhidos.

Suas marcações na folhinha associadas a sua memória tinham um objetivo. Ao telefonar para pessoas de um parentesco próximo, mas de localizações geográficas distantes, tinha algumas perguntas de praxe: ─ Adivinha quem faz aniversario hoje?...;  ─ Quero ver se você sabe quem faz aniversario hoje ... ; ─ Quero ver se você tem boa memória... 

Os que não moravam tão longe podiam receber um telefonema de manhã investigando e testando a sua memória. Era um gesto necessário para mostrar e provar que tinha uma boa memória, associada aos gestos de consideração com os aniversários das pessoas lembradas. Outras vezes, uma ligação tinha um objetivo mórbido e informativo: ─ Adivinha quem morreu!

Lembrava-se dos aniversários, mas tinha atos comedidos ao pensar em um presente. Ao comprar um presente pensava antes se o mesmo presente poderia ter uma utilidade para ela. Quando era convidada para uma festa só dava o presente se a festa fosse do seu agrado. Enchia o bucho, mas se não ficasse satisfeita não entregava o presente. Fazia uma avaliação entre o valor gasto e as comidas consumidas.

Merença sempre achou que nunca iria morrer. Tinha um medo inexplicável. Fugia da morte como o diabo foge da cruz. Parecia haver um medo oculto, o medo de voltar para o lugar de onde veio. “Do pó vieste e ao pó retornará”, a frase devia ecoar em seus ouvidos. 

E as associações que Merença fazia não estavam limitadas a outros aniversários de membros da família. Podiam ser associados com mortes e missas de sétimo dia.

  ─ Quando você faz aniversário?
 ─ Ah... No dia que o meu irmão morreu.


RN, em 20/02/15

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