sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Algumas Crônicas Em textos



Algumas Crônicas
Em textos











Crônicas



Crônicas



sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Referenciais merençanos



Referenciais merençanos



Merença gostava de associar datas, principalmente datas de aniversario. Era conhecer uma pessoa, puxar uma conversa, para na logo na primeira oportunidade perguntar a data de aniversário. E replicar logo em seguida: ─ Ahhhh... Dois dias depois de Fulano; ou então: ─ Um mês e cinco dias depois de Ciclano; e ainda: ─ Sete dias antes de Beltrano. Ela parecia que queria dizer, querer insinuar que a pessoa que conhecia naquele momento, era menos importante do que as que ela já conhecia anteriormente. E as datas de aniversários associadas, estavam sempre referenciadas a pessoas que faziam parte de uma suposta família. Pessoas que ela admitia como serem da sua família.

Dizem que as pessoas mais velhas podem não lembrar o que aconteceu ontem, mas não esquecem o que aconteceu há muitos anos atrás. Daí então por não confiar na memória, por não arriscar um esquecimento, Merença tinha um hábito. Marcava os aniversários em uma folhinha, um calendário. No inicio do ano ao ganhar uma folhinha nova, vinha uma nova tarefa. Marcar os antigos aniversários, que já constavam de folhinhas anteriores, e anotar as novas datas natalícias. Aniversários de novas pessoas que tinha conhecido. Todos aqueles que tinham seus aniversários marcados na folhinha podiam se considerar os escolhidos.

Suas marcações na folhinha associadas a sua memória tinham um objetivo. Ao telefonar para pessoas de um parentesco próximo, mas de localizações geográficas distantes, tinha algumas perguntas de praxe: ─ Adivinha quem faz aniversario hoje?...;  ─ Quero ver se você sabe quem faz aniversario hoje ... ; ─ Quero ver se você tem boa memória... 

Os que não moravam tão longe podiam receber um telefonema de manhã investigando e testando a sua memória. Era um gesto necessário para mostrar e provar que tinha uma boa memória, associada aos gestos de consideração com os aniversários das pessoas lembradas. Outras vezes, uma ligação tinha um objetivo mórbido e informativo: ─ Adivinha quem morreu!

Lembrava-se dos aniversários, mas tinha atos comedidos ao pensar em um presente. Ao comprar um presente pensava antes se o mesmo presente poderia ter uma utilidade para ela. Quando era convidada para uma festa só dava o presente se a festa fosse do seu agrado. Enchia o bucho, mas se não ficasse satisfeita não entregava o presente. Fazia uma avaliação entre o valor gasto e as comidas consumidas.

Merença sempre achou que nunca iria morrer. Tinha um medo inexplicável. Fugia da morte como o diabo foge da cruz. Parecia haver um medo oculto, o medo de voltar para o lugar de onde veio. “Do pó vieste e ao pó retornará”, a frase devia ecoar em seus ouvidos. 

E as associações que Merença fazia não estavam limitadas a outros aniversários de membros da família. Podiam ser associados com mortes e missas de sétimo dia.

  ─ Quando você faz aniversário?
 ─ Ah... No dia que o meu irmão morreu.


RN, em 20/02/15

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Cantiga de grilo



Cantiga de grilo


Há que diga que o som emitido por grilos são sons repetitivos e incomodativos, o denominado cricrilar. Grilos frequentam e habitam matos, matas e matagais, quem esta na roça tem que ser roceiro para saber escutar. O som emitido pelos grilos é conhecido pela onomatopeia cri-cri, um termo entendido e estendido coloquialmente às pessoas que gostam de incomodar. Pessoas insuportáveis e maçantes (Dic.). Pessoas que passam o dia a cricrilar. E há pessoas que parecem se comportar como os grilos, onde o importante é incomodar e criticar. Não importando o quanto, o quando, ou o onde, quiçá o porquê do fato. Há inúmeras formas de incomodar.

Uma forma de incomodar é cantar, não importa o que, canções antigas que só ela conhece, ou um refrão de jingles em propagandas de radio ou televisão, “uma grande imaginação”. Cantar o que um cantor canta em rádio ou outro aparelho sonoro, impedindo outros de a canção legitima escutar. Cantar, reclamar do tempo que ocorre lá fora, do calor ou do frio que faz; da chuva que cai ou da chuva que falta. Reclamar do sono que sente ao acordar. Da chuva que promete vir e não chega. 

O importante é reclamar, sem saber a razão ou o porquê, ou para quem reclamar. Reclamar até do comportamento do personagem da novela. Reclamar da fulana ou da vizinha, que fez isto ao invés daquilo, embora a atitude da fulana ou da vizinha não influencie o seu dia a dia. Muitos incomodam ao estacionar. Colocam seus carros onde outros desejam passar.

Outra forma de incomodar é fumar. Fumar em locais fechados obrigando aos que convivem no mesmo espaço respirar o mesmo ar. A princípio o ato de fumar sob o ponto de vista de um fumante, é um ato individual de absorver e respirar a própria fumaça produzida pelo seu fumo em processo de queima. A ciência pesquisou, tabulou e identificou que as pessoas participantes do mesmo ambiente do fumante tornam-se fumantes passivos. Enquanto a ciência não tinha argumentos para criticar o ato de fumar, os participantes do mesmo ambiente criaram admissões e estratégias. Admitiram a presença do fumante, ou criaram desculpas e estratégias de sair do ambiente, ou mesmo não se incomodar com a fumaça. E até mesmo não sentir o cheiro. Não sentir o cheiro funcionou como um ato assumido inconscientemente, dividindo uma culpa e uma responsabilidade, por vezes uma submissão.

Na impossibilidade de não poder fumar, alternativas um ex-fumante pode encontrar. Como o nobre gesto de limpar e desinfetar um quintal. O nobre gesto de empestear o quintal e a casa com o cheiro de desinfetantes fortes, as populares creolinas. Vai poder justificar seu gesto e seu ato, com argumento de limpeza e desinfecção dos excrementos produzidos e depositados pelos cachorros que estão na casa. Enquanto os outros participantes da casa dividem o cheiro insuportável, ele pode dormir ou cochilar, justificado pelo seu esforço exaustivo de promover uma limpeza no quintal. 

Um cheiro não é simplesmente incomodativo ao olfato. Um cheiro forte e incomodativo implica em exaustivas trocas de ar, do pulmão com o ar no meio exterior. Consequentemente um esforço do coração no bombeamento do sangue que passa pelos pulmões e percorre todo o corpo. Coisas difíceis de entender e difíceis de explicar a um sargento. Aumento da frequência respiratória (FR) implica em aumento da frequência cardíaca (FC), podendo aumentar a pressão artéria (PA).

Um sargento não foi formado ou preparado para pensar, mas está preparado e habituado em receber ordens; seguir receitas, rótulos de produtos e bulas de remédios. Ainda haverá inúmeras formas de incomodar, outros modos de ser um cri-cri, com inúmeras formas de cricrilar. É só esperar. 



Cri-cri, cri-cri, cri-cri...


17/02/15. Entre Natal/RN e Parnamirim/RN.